Especial EURO 2012: O que a Polônia tem a ensinar ao Brasil
Com a EURO 2012, em parte realizada na Polônia, podemos
perceber que o Brasil ainda tem muito a fazer e que o legado não fica apenas
nas obras físicas
Por Henrique Ventura
Foto: Arquivo Pessoal - Henrique Ventura |
Um país em desenvolvimento, com muitas dificuldades impostas
por tempos difíceis, cercado de desconfianças, recebe um gigantesco evento do
futebol. A descrição anterior até se aplicaria ao Brasil, mas falo da Polônia.
E justamente por essa similaridade é que os poloneses tiram, desta Euro 2012,
algumas lições a serem passadas aos brasileiros para a Copa do Mundo de daqui a
dois anos. Estive em Poznań, uma das cidades-sede, e relato aqui no Leitura Esportiva as lições que
presenciei in loco.
Segurança
Lições positivas: câmeras de monitoramento foram
instaladas ao longo da cidade e a polícia ganhou novas viaturas, na forma de
vans. Em dias de jogos, a densidade de policiais parecia bem proporcional à de
torcedores. Esses investimentos aparentemente pontuais geraram bens, de certo
modo, perenes, que gerarão apenas o custo de manutenção.
Lições negativas: um dia, após o fim da fase de
grupos e, consequentemente, após o fim da Euro na cidade (Poznań recebeu apenas
três jogos do grupo C), o clima era de ressaca (sem nenhum trocadilho ou
referência voluntária ao estado dos irlandeses, famosos por sua capacidade
etílica), e já não se viam mais tantas viaturas na rua, apenas em algumas vias
principais. Há de se ressaltar que, antes dos jogos, polícias dos países
envolvidos nas partidas faziam reuniões com a polícia polonesa, fato que – se
não denota escancaradamente – conota certo receio quanto às garantias de
segurança que a polícia local poderia dar ao evento. Pequenos furtos e delitos
contra torcedores por punguistas locais não foram evitados. Pelo visto, na Copa
do Mundo será necessária forte cobrança para evitar que os investimentos nesse
quesito sejam apenas “para inglês ver”.
Estádio
Lições positivas: Poznań tem dois times, mas apenas
um tem estádio próprio. O Warta Poznań, que atualmente disputa o equivalente à
segunda divisão, possui um acanhado estádio, normalmente com bons públicos
devido às frequentes ações de “portões abertos” proporcionadas por sua
proprietária, mas eventualmente usa o estádio municipal em jogos de maior
apelo. O Lech Poznań, da primeira divisão (Ekstraklasa), tem a preferência da
maioria da população local, sempre jogou no estádio municipal e sua torcida
acabou sendo beneficiada indiretamente pela reforma bancada pelo poder público.
De qualquer modo, as obras saíram perfeitas e a cidade ganhou um excelente
complexo esportivo, uma arena de qualidade impecável, com fácil acesso, tanto
via transporte público, quanto por carro e até a pé. Foram corrigidos alguns
pontos graves de restrição de visibilidade (embora ainda seja possível notar
alguns raros casos remanescentes), a arquibancada é muito próxima do gramado e
o escoamento da torcida é facilitado. A acústica ficou em um ponto quase
ensurdecedor.
Proximidade do campo é um dos pontos fortes do estádio municipal de Poznan - Foto: Henrique Ventura |
Lições negativas: Não há diversidade de esportes.
Portanto, o estádio fica basicamente atrelado apenas a futebol e a demais
grandes eventos, não necessariamente esportivos. Como o esporte mais popular no
Brasil não carrega o mesmo posto na Polônia, o estádio ganha leves contornos de
“elefante branco”. No caso tupiniquim, daqui a dois anos, mesmo com maior apelo
para o esporte bretão, deveria-se evitar incorrer no mesmo erro.
Transporte público
Lições positivas: A malha normal de transporte
coletivo das maiores cidades da Polônia, em geral, integra trens, ônibus e
bondes elétricos. Poznań não foge desta tendência. Para a Euro, pelo que foi
possível observar, houve investimento em bondes e ônibus novos, proporcionando
um nítido conforto maior aos usuários. O trânsito foi readequado em alguns
pontos. Em dias de jogos, as grandes vias próximas ao estádio eram fechadas
para proporcionar um escoamento a pé para os torcedores em um determinado raio.
Outra grande “sacada” – provavelmente imposta pela UEFA – foi o fato de o
ingresso em mãos dar direito ao transporte coletivo de forma gratuita (cá entre
nós, pelo preço do ingresso, não há nada de gratuito...).
Bondes elétricos são um dos modais de transporte público na Polônia - Foto: Henrique Ventura |
Lições negativas: Mesmo com investimento em novos
veículos, nos horários de jogos era impossível encontrar bondes e ônibus com
espaço aceitável. Tomei, inclusive, a liberdade de chamar o bonde que peguei
até o estádio no jogo Itália x Irlanda de “sauna irlandesa”. Se no Brasil já
temos imensa dificuldade em integrar modais variados de transporte coletivo
antes da Copa, é possível imaginarmos o quão difícil será fazer isso em 2014,
com disponibilidade proporcional ao contingente de torcedores nos dias de
jogos.
Infraestrutura:
aeroportos e estradas
Lições positivas: Cidades cujos aeroportos sequer
tinham capacidade decente para o setor “burocrático” (balcões de check-in, área de coleta de bagagens, por
exemplo) e para voos mais distantes – como foi o caso de Poznań – ganharam boas
reformas. As obras, se não no prazo previsto inicialmente, foram concluídas em
um período aceitável. No caso do aeroporto desta cidade, a 200 km da fronteira
com a Alemanha, a área nova de embarque ficou pronta em 2010 e a nova área de
desembarque e coleta de bagagens foi finalizada no final do ano passado.
As estradas predominantemente vicinais ganharam o reforço da
reforma de grande parte das principais rodovias que cortam a cidade, que
ficaram semelhantes às “Autobahn” alemãs. O que o Brasil necessitará daqui a
dois anos para justificar o legado do evento é de obras assim, efetivamente
úteis e feitas “a toque de caixa”.
Lições negativas: Porém, na Polônia também aconteceu
o que tememos acontecer aqui em 2014. Muitas obras não foram finalizadas em
tempo – especialmente de estradas vicinais. Viadutos maiores, com planos de
contribuírem com as grandes estradas, ainda estavam “crus” durante o evento. A
situação chegou a ser preocupante ao ponto de algumas autoridades nacionais
dizerem, em pleno 2012, que não seria possível realizar a Euro na Polônia.
Houve erro, também, no planejamento dos aeroportos. O embarque e o desembarque
somente através de ônibus, sem os chamados “fingers” de acesso, ignoram
completamente dias chuvosos.
No Brasil, infelizmente, a tendência é acontecer os mesmos
problemas, já que várias obras de mobilidade urbana e até de aeroportos, por
exemplo, já são dadas por autoridades como impossíveis de serem executadas em
tempo até 2014.
Muitas obras ainda estavam inacabadas com o evento já em andamento - Foto: Henrique Ventura |
Acesso da população
local
Lições positivas: As autoridades locais pressionaram
bastante e, ao menos no discurso, a UEFA cedeu e colocou categorias de preços
mais acessíveis de ingressos, alegando “considerar o poder de compra da
população local”. Segundo a entidade, foram colocados ingressos a partir de
trinta euros para categorias que abrangiam pontos dos estádios com visibilidade
prejudicada. De fato, não eram raros os poloneses no estádio, pelo menos em
Poznań, embora a o ingresso médio custasse o equivalente a 250 reais.
Lições negativas: A UEFA centralizou a venda dos
ingressos por seu website e os ingressos mais “acessíveis”, na verdade, foram
parar nas mãos de quem achou antes na internet. As entradas foram esgotadas
rapidamente para quase todos os jogos, mas ainda era possível encontrar
ingressos com operadoras europeias de turismo, desde que atrelados a pacotes
com hospedagem e traslados; e também em alguns gabinetes de prefeituras, de
forma direcionada. E apesar de todo esse aparente controle (incluindo a
limitação de quatro ingressos, por jogo, por cadastro no website), nas vésperas
de partidas ainda era possível ver cambistas circulando próximos às Fan Zones (telões – com cobrança de
ingressos – colocados pelos comitês locais e pela UEFA nos centros das
cidades-sede e em algumas cidades de referência).
O preço, tido pela entidade como “acessível”, ainda assim
era pesado se convertido para a moeda local, já que a Polônia, embora membro da
União Europeia, não aderiu ao Euro. Os preços cobrados nas lanchonetes dos
estádios – exploradas, durante o evento, pela UEFA – também eram caros.
Apesar dos avanços brasileiros no aquecimento da economia, o
cenário visto para o acesso dos nativos da Polônia ao evento tem grandes
chances de ser visto por aqui. Os ajustes dos estados das subsedes na Lei Geral
da Copa do Mundo serão fundamentais para definir a real possibilidade dos
brasileiros acompanharem nos estádios o maior evento do futebol mundial.
A UEFA pegou pesado no preço nas lanchonetes nos estádios - Foto: Henrique Ventura |
Legado geral
Políticos poloneses afirmam e confessam (e até torcem um
pouco o nariz, na verdade) que muito dinheiro foi despejado torrencialmente na
preparação para o torneio, ao mesmo tempo em que admitem que não há previsão de
retorno em valores absolutos dessa verba.
Mas opiniões coletadas com os moradores de Poznań mostram
que, apesar da desconfiança anterior, muita coisa pode ser aproveitada da
passagem da Euro pela cidade e pelo país, ainda que grande parte considere um
absurdo que um esporte que não é predileção nacional tivesse que ser o pretexto
das reformulações.
Grande parte das melhorias feitas com a finalidade do evento
foram investimentos em itens perenes. A cidade ganhou destaque e visibilidade,
mesmo recebendo apenas três jogos. O crescimento previsto para de dez a quinze
anos foi acelerado freneticamente para ser concluído em três anos.
Porém, segundo as autoridades locais, o maior legado não
fica restrito a estruturas, obras e organizações. O grande ganho para a
população teria sido a mudança do modo como a Polônia é vista perante o resto
da Europa e pelo mundo. O Velho Continente é marcado por muitos preconceitos e
rivalidades históricas por conta das sucessivas guerras, invasões e conflitos.
Para os poloneses, a destruição dos estereótipos foi a grande vitória da Euro
2012 no país. A maioria dos visitantes pode conhecer um lado polonês mais
alegre, receptivo e hospitaleiro, assim como os poloneses puderam integrar-se a
visitantes que faziam questão de mostrar os pontos mais positivos dos seus
países de origem. Tchecos e irlandeses, por exemplo, fizeram questão de exaltar
a população e a torcida polonesa, seja em entrevistas, seja “puxando” nos
estádios a cantoria tradicional dos torcedores poloneses. Aí, sim, o “respeito”
tão pregado pela UEFA pode ser dado como o grande objetivo alcançado pelo
evento.
O Brasil, além de acelerar seu crescimento 'na marra', deve aproveitar a chance imperdível de deixar de ser visto como 'antro da bunda, do carnaval, e da cachaça'"
E então vem a grande questão com que os brasileiros tem se
esquecido de se preocupar, no que concerne a Copa de daqui a dois anos. O
Brasil, além de acelerar seu crescimento “na marra”, deve aproveitar a chance
imperdível de deixar de ser visto como “antro da bunda, do carnaval, e da
cachaça”, do mesmo modo em que os poloneses deixaram de serem vistos pela
Europa e pelo mundo como um povo fechado e alcoólatra.
Fan Zone particular nos entornos de Poznan: População polonesa revelou saber torcer e arrebentou estereótipos prévios - Foto: Henrique Ventura |
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