Sediada em
Berlin, a Olimpíada de 36 foi o primeiro golpe contra o regime de Hitler na
Alemanha. Sem o uso de qualquer arma, a não ser a sua força física, um negro
norte-americano fez o presidente alemão sentir o gosto da derrota.
Wilson Hebert
Rio de Janeiro/RJ
Legítimo medalhista das Olimpíadas de Berlim, Owens não recebeu o cumprimento de Hitler nem as saudações de Roosevelt. |
O ano de 1929 marcou um período
de crise violenta, que pegou em cheio a Europa pós-guerra, notadamente a
Alemanha, que super industrializada, porém com sua população passando por um
momento de baixo poder aquisitivo, encontrava dificuldades para movimentar sua
economia. E sem os créditos norte-americanos, o país se viu obrigado a parar de
pagar as indenizações da Primeira Guerra Mundial, que teve seu início em 1914 e
seu encerramento em 1918, com derrota alemã.
Daí em diante, a Alemanha
viveu tempos complicados com puro extremismo político. Ninguém se entendia.
Sociais democratas e marxistas se colocavam cada vez em lados mais opostos à
medida que a crise apertava e a situação parecia ficar mais longe de uma solução.
Enquanto isso, um partido pequeno, com poucos adeptos, crescia sob o comando de
um jovem combatente da Primeira Guerra, que tinha apenas 33 anos e acreditava
piamente que a derrota alemã não havia se dado por eficiência dos adversários,
mas sim por traições na sua própria tropa.
Com um discurso extremista e
sectário, supervalorizando os alemães de raça pura e menosprezando os cidadãos
que viessem de qualquer outra representação, o Partido Nazista aumentou seu
poder e conquistou a preferência germânica de forma devastadora. Em 1928 eram 400
mil membros. Em 1930, já eram mais de 1,5 milhão, que foi quando o partido
elegeu 107 deputados contra 77 do Partido Comunista. Nas eleições legislativas
de 32, foram 230 deputados eleitos, a maior representação do Parlamento.
Já nas eleições presidenciais,
o velho marechal Hindenburg foi reeleito com 19 milhões de voto. Entretanto, o
jovem Hitler do Partido Nazista havia atingido inacreditáveis 13 milhões de
votos. Poucos meses depois, em janeiro de 33, o presidente alemão tentou uma
cartada para amenizar a crise que ficava cada vez mais forte: nomeou Hitler
como chanceler da Alemanha. Os conservadores e empresários do país acreditavam
que facilmente manipulariam aquele ex-soldado condecorado por ter resistido à
guerra mesmo após ter sido ferido fortemente por duas vezes. Ledo engano.
Sempre com autorização do
presidente Hindenburg, Hitler começou a agir para “dar fim a crise”. Foi uma
sucessão de golpes, atos ilegais e assassinatos, feitos para preparação do
terreno com o objetivo da instalação da sua ditadura pessoal. Até que os
nazistas dissolveram o Parlamento, invadiram reuniões de adversários políticos,
depredaram jornais, assassinaram líderes oposicionistas, reinstituíram a pena
de morte, entre outros.
Em 1934 o presidente Hinderburg morreu, então o chanceler
alemão e líder nazista passou a acumular também a função de presidente, conquistando plenos poderes e ficando
ainda mais forte no comando do país.
Em meio a idolatria nazista que o
povo alemão depositava sobre seu comandante nacionalista, os Jogos Olímpicos
chegam ao país
Não foi nada programado, mas
sim um acontecimento inesperado. Berlim havia sido eleita sede dos Jogos Olímpicos
em 1931, quando o Partido Nazista, embora bem representado no Parlamento, ainda
não convencia que chegaria ao poder totalitário, pelo menos não naquele curto
espaço de tempo. Com a ascensão do 3º Reich (terceiro regime), o Comitê Olímpico
Internacional (COI) ainda tentou mudar o local do evento, mas foi em vão. Os nortes-americanos
também se esforçaram para retirarem aquele importante acontecimento do berço
nazista, ao tentarem realizar os Jogos Alternativos de Barcelona. Entretanto, a
tentativa foi um tiro n’agua, já que a Espanha sofria com a Guerra Civil
Espanhola.
Em contrapartida, os
nazistas se empenharam fortemente para assegurarem a realização das Olimpíadas
em Berlim e fazerem disso uma forte propaganda nazista para o mundo. Hitler
queria mostrar aos outros países que a raça ariana era superior a todas. E ele
viu nos Jogos Olímpicos de 36 uma grande oportunidade para isso.
Ao contrário do que foi divulgado por membros do governo nazista, Adolf Hitler compareceu as provas das Olimpíadas de 1936. Foto: Portal UOL. |
Um memorando secreto, veiculado
em 18 de julho de 1936 para todas as forças de segurança advertia: “O
desenvolver grandioso e sem incidentes dos Jogos Olímpicos de 1936, em Berlim,
é da maior importância para a imagem da nova Alemanha aos olhos de nossos
convidados estrangeiros".
Jesse Owens, o negro norte-americano
que expulsou Hitler do próprio estádio
Com todo o esforço econômico,
psicológico e político do governo alemão, o resultado, de fato, surgiu. Ao
final dos Jogos, a Alemanha conquistava o topo do ranking de medalhas, com 33
de ouro, 26 de prata e 30 de bronze. Foi um total de 89 contra os Estados
Unidos, segundo colocado, que ao todo levou 56 medalhas para a América. Embora
houvesse essa disputa deflagrada a parte entre os dois líderes do ranking de
medalhas, as Olimpíadas de Berlim também contou com outros 28 países.
Mas o que Hitler e todos os
seus comandados, entre políticos, profissionais e atletas alemães (só os não-judeus)
não esperavam, é que os EUA contassem com um atleta que fosse se destacar tanto
nas competições de atletismo. E para piorar a situação de Adolf Hitler, esse
atleta era negro (o item número um do regime nazista era o racismo; judeus e
negros eram considerados totalmente inferiores, o que causou um grandioso número
de assassinatos na Alemanha durante o terceiro regime).
Durante a prova de atletismo
dos 200m rasos, o Comitê Olímpico Internacional havia alertado Hitler de que,
na condição de autoridade máxima do país sede, ele deveria cumprimentar todos
os atletas que atingissem as três primeiras colocações da prova. Mas ao ver que
um norte-americano, ainda mais de pele escura, havia vencido a disputa deixando
um alemão, branco, ariano em segundo lugar, Adolf simplesmente deixou o estádio
e foi embora antes da coroação dos líderes da prova.
Jesse Owens faturou o ouro na prova de salto em distância. O alemão Fritz Lang ficou em segundo no pódio. Foto: Portal UOL. |
E esse acontecimento se
repetiu outras vezes. Jesse Owens venceu não apenas a prova dos 200m rasos, mas
também a de 100m, a de 400m e a de salto em distância. Em todas
essas oportunidades, estando no lugar mais alto do pódio, sempre fortemente
exaltado pelo público presente formado por pessoas de vários países, Owens não
mirava a tribuna do governo alemão, mas sim a do COI.
Anos depois, ao lançar sua
biografia, Owens deu mais uma prova de superioridade ao regime hitlerista.
Falando praticamente durante toda a sua obra a respeito dos Jogos Olímpicos de
36, ele simplesmente ignorou Hitler e todo o regime nazista, bem como a força
que os alemães impuseram nas competições. O foco de lamentação daquele atleta
vencedor foi exatamente o governo norte-americano. Tendo a sociedade
norte-americana apontado pelo próprio como altamente preconceituosa, Jesse
Owens lamentou o fato de sequer receber um telegrama do presidente dos Estados
Unidos, Franklin Roosevelt, após suas vitórias em Berlim.
Esse livro sobre a vida de
Jesse Owens, intitulado como “Owens Pierced a Myth” (que em português significa
“Owens, Perfurador de um Mito) foi escrito por Larry Schwartz. Na obra, há um
trecho com um depoimento de Owens que diz: “Não
foi Hitler que me esnobou. Foi (o presidente dos EUA) Roosevelt. O presidente nem mesmo me mandou um telegrama”.
O nome verdadeiro desse
atleta histórico é James Clevland. Suas primeiras passadas no atletismo foram
dadas desde muito cedo. Graças a sua habilidade esportiva, Owens pôde freqüentar
a Universidade de Ohio. E no circuito universitário, ele já dava provas do seu
talento, quebrando o recorde de títulos nacionais. Entre 1935 e 1936, foram
nada menos do que oito conquistas.
Após as medalhadas
conquistadas em Berlim, Jesse Owens voltou ao seu país com a intenção de
assinar contratos publicitários. Mas ao ser considerado como um profissional do
atletismo, ele perdeu seu status olímpico e ficou sem os contratos de imagem.
Em decorrência de um câncer
de pulmão, causado pelo freqüente uso dos cigarros, Owens veio a falecer no dia
31 de março de 1980, aos 76 anos.
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