Acostumada
a chamar a atenção por seu futebol vistoso, a Holanda nunca se firmou como uma
seleção de ponta. Mas em 1988, Rinus Michels, van Basten e Gullit deram fim nesta sina. Este é mais um “Conto da Euro”.
Por Eduardo M. Júnior
Lauro Müller/SC
Futebol Europeu Online
Campeã em 1988, a Holanda tinha tudo para conquistar mais títulos. Foto: Getty Images. |
Durante toda a história do
futebol, a Holanda se notabilizou por formar grandes jogadores. A grande
maioria destes atletas demonstrava alta técnica e elegância com a bola nos pés.
Porém, a Laranja nunca conseguiu se tornar uma seleção vencedora.
Nos anos 70, tendo como base
o Ajax e o “futebol total”, a Holanda conseguiu dois resultados pra lá de
expressivos em Copas do Mundo. Em 1974, o time de Rinus Michels mostrou todo
seu potencial logo em sua estréia, ao bater o Uruguai por 2×0, tendo enorme
facilidade para obter o resultado. Mais tarde, na então existente segunda fase
de grupos, os holandeses mostraram ao mundo que não estavam de brincadeira e
conseguiram a vaga para a final da Copa ao passar por um grupo que tinha
Alemanha Oriental, Brasil e Argentina. Na grande final, o time holandês
“travou” e após abrir o placar com menos de dois minutos – a Alemanha
literalmente não havia tocado na bola -, o time cedeu a pressão alemã e logo
tomou a virada.
Quatro anos depois, na
Argentina, a Holanda – já sem Cruyff – precisou seguir um caminho parecido ao
de 1974. Para chegar à final, o time na época treinado por Ernst Happel passou
por uma segunda fase de grupos complicada, desta vez tendo que enfrentar Itália
e Alemanha Ocidental. Mesmo sem lembrar seus tempos de “futebol total”, a
Holanda conseguiu sua vaga na final. Mas no último jogo daquela copa, a Laranja sucumbira
a Mário Kempes e o Monumental de Nuñez lotado e perdera por 3×1 já na
prorrogação.
Foi uma geração que ficou
marcada tanto positivamente quanto negativamente. A parte positiva foi na de
jogar futebol. Parte essa que foi vitoriosa no Ajax, mas que não foi executada
com tanta perfeição no selecionado holandês. Outro ponto positivo daquela geração
certamente está no enorme cartel de atletas criados, como Johann Cruyff, Rob
Rensenbrink, Rud Krool e Johan Neeskens. A parte negativa não é segredo pra
ninguém: a ausência de títulos. Este time que foi formado nos anos 70
conseguira dois vice-campeonatos mundiais e uma semifinal de Eurocopa.
Após essa geração se
encerrar, ficava a dúvida na cabeça dos torcedores da Laranja: “será
possível termos outro time forte e envolvente como o time de Michels?”. A
Holanda precisava fugir da fama que a Hungria pegou.
Poderosíssima nos anos 50 e
60, os húngaros nunca mais repetiram atuações parecidas com as que metiam medo
nos adversários nos anos dourados dessa seleção. Está difícil até para a
Hungria formar bons jogadores, já que os húngaros de maior destaque acabam
sendo coadjuvantes de times de meio da tabela, como Hajnal no Stuttgart e Gera
no West Bromwich.
O início dos anos 80 geraram
certo pavor nos holandeses. Então “bi vice-campeã” do mundo, a Holanda ficou de
fora das Copas de 82 e 86, enquanto na Eurocopa, a Laranja caiu na
primeira fase em 1980 e nem disputou a edição de 1984.
Após muito tentar e
fracassar, a Holanda finalmente conseguiu voltar a uma edição de Eurocopa. Isso
aconteceu em 1988, na edição realizada na Alemanha Ocidental. Mas desta vez, a
intenção não era entrar no torneio simplesmente pra fazer figuração. Rinus
Michels, que voltava a treinar a seleção da Holanda após quatro anos, tinha a
sua disposição a dupla do Milan, Marco van Basten e Ruud Gullit. Junto dos dois
estavam também Frank Rijkaard – que se juntaria a seus compatriotas no Rossonero após
a Eurocopa – e Ronald Koeman. Era um time que não devia nada para ninguém e que
poderia brigar pelo título mais cobiçado em nível continental pelas seleções
européias.
Ainda é necessário destacar que
a base do time era formada pelos dois times mais fortes da Holanda naquela
época: Ajax e PSV. Dos 20 jogadores convocados por Rinus Michels para a disputa
daquela Eurocopa, dez defendiam a dupla citada anteriormente – cinco pra cada
lado. Não custa lembrar que menos de 20 dias antes da estréia holandesa na
Eurocopa, o PSV Eindhoven batia o Benfica nos pênaltis e se sagrava campeão
europeu. Era apenas mais um motivo para não menosprezarmos a Seleção Holandesa.
A seleção de Rinus Michels
estava no grupo B da competição, junto de seleções fortes como União Soviética
e Inglaterra, além da Irlanda, na época, estreante em Eurocopas.
Logo na estréia, decepção: a
Holanda não conseguiu furar a forte marcação da União Soviética, além, é claro,
de não passar pela barreira Rinat Dasayev e acabou perdendo o jogo no
contra-ataque. Rácz, em um violento tiro cruzado fez o gol da vitória dos
soviéticos.
No outro jogo do grupo, a
Irlanda fez o jogo de sua vida e bateu a Inglaterra por 1×0. Pros ingleses,
aquele jogo era apenas mais um, pois eles não consideravam os irlandeses “no
seu nível”, mas o selecionado irlandês não pensava deste modo. Apenas quatro
dos vintes convocados atuavam fora da Inglaterra, então eram motivos pessoais
que cercavam aquela partida. A vitória por 1×0, gol de Ray Houghton, foi
certamente uma das mais marcantes da história da Irlanda. A seleção treinada
por Jack Charlton viria a cometer outro “crime” ao arrancar um empate da
poderosa União Soviética, 1×1.
Na segunda rodada, o mundo
viu do que Marco van Basten era capaz. O camisa 12, na época com 23 anos,
anotou os três gols holandeses na vitória por 3×1 sobre a Inglaterra e deixava
o seu país a uma vitória da classificação.
Win Kieft salvou a Holanda contra Irlanda. Foto: Getty Images. |
Era confronto direto:
Irlanda x Holanda. Os irlandeses de Jack Charlton tinham três pontos e jogavam
pelo empate. Já os holandeses de Rinus Michels, com dois, necessitavam dos dois
pontos – era o que valia a vitória na época – se quisessem se qualificar para
as semifinais.
A partida era muito nervosa.
A Irlanda buscava de qualquer modo segurar o resultado que lhe garantiria pela
primeira vez na semifinal da Eurocopa. Já a Holanda, necessitando de outro
marcador, ia com tudo pra cima, mas esbarrava na retrancada seleção adversária.
O gol da vitória custou a sair e veio em um lance de sorte. Após levantamento,
Paul McGrath, então jogador do Manchester United, cortou a bola para frente de
sua área. A gorduchinha caiu no pé direito de Koeman. O chute dele saiu
esquisito, pro chão. Na verdade, o jogador que ganhara dias atrás a Copa dos
Campeões com o PSV pareceu ter chutado por chutar. Koeman contou com a sorte,
pois a bola foi na cabeça deWim Kieft, outro campeão europeu. O atacante do PSV
cabeceou no contrapé do goleiro Packie Bonner, que fez de tudo para tentar
defender, mas a bola fez uma curva estranha e foi parar dentro do gol. A
Holanda chegava aos quatro pontos, ultrapassando a Irlanda e conquistando a
vaga nas semifinais.
Por fim, foi melhor para
todos. A Holanda, time mais forte, conquistava a classificação e a seleção da
Irlanda ficava marcada por sua honrosa campanha, que só não foi melhor por
causa de um gol sofrido aos 37 minutos do segundo tempo.
Na semifinal, Rinus Michels
e seus comandados dariam de frente com um velho algoz: a Alemanha Ocidental. Em
1974, a Laranja Mecânica de Cruyff perdeu a final justamente para
esta seleção. Quatro anos mais tarde, essas duas seleções se reencontraram na
copa da Argentina e ficaram no 2×2. Em 1980 houve outro encontro entre as duas
seleções, na Eurocopa da Itália e novamente deu Alemanha, 3×2, com três gols de
Allofs.
Era a hora da verdade –
perdão pelo uso do clichê -! A Holanda precisava mostrar se era mesmo a melhor
seleção do mundo em 1988 ou se era uma simples freguês da Alemanha Ocidental.
Era a verdadeira hora de van Basten, Gullit, Koeman e Rijkaard mostrarem que
queriam ficar marcados como vitoriosos na história do futebol.
A semifinal de 1988 lembrou muito
a final de 1974. Na Copa do Mundo, o primeiro gol surgiu de um pênalti sofrido
por Cruyff, que decidiu dar uma arrancada – após uma série incansável de toques
na bola – e só foi parado com falta, no caso, pênalti. Já na Eurocopa,
Klinsmann decidiu iniciar uma arrancada somada a uma série de dribles. O
atacante do Stuttgart só foi parado por Rijkaard, que cometeu pênalti no
alemão. Neeskens converteu a penalidade em 74, Matthäus converteu em 88.
van Basten foi artilheiro da Euro 88 com 5 gols. Foto: Getyy Images. |
Marco van Basten, que andava
meio sumido desde o hat-trick diante da Inglaterra, passou a decidir
a partida. Primeiro, o atacante do Milan sofrera o pênalti que resultou no gol
de empate de Koeman – assim como em 74, a partida chegava ao 1×1 com dois gols de
pênalti.
A partida ia se encaminhando
para a prorrogação. Já estávamos no minuto 44 da etapa complementar. Muitos já
se preparavam para o tempo extra… outros levavam a sério a frase “o jogo só
acaba após o último apito”. Um destes era van Basten, que recebera na grande
área e de carrinho mandava pras redes.
Foram precisos dois lances
para van Basten encerrar a freguesia de sua seleção perante a Alemanha e
colocar a Holanda na final da Eurocopa pela primeira vez na história!
Na final, um adversário bem
conhecido: a União Soviética, única equipe que conseguiu derrotar a Holanda
naquela edição da Euro.
Na grande final disputada no
estádio Olímpico de Munich, a Holanda conseguiu tirar a sua sina de perdedora,
de time do “futebol total mas que não vence”. Nem toda força defensiva
soviética foi capaz de segurar van Basten e companhia.
No primeiro gol, a União
Soviética caiu na própria armadilha. Após levantamento na grande área, a zaga
conseguiu afastar a bola, mas todos saíram para fazer a linha de impedimento.
Mas van Basten veio de trás e conseguiu fazer o toque para Gullit abrir o
placar na decisão.
Com 1×0 contra, os
soviéticos seriam obrigados a fazer algo que não estavam muito acostumados:
atacar. Em suas quatro partidas anteriores, a União Soviética só havia ficado
atrás no marcador uma vez.
Na etapa final viria a prova
de que seria impossível tirar o título das mãos holandesas. Nos aproximávamos
dos dez minutos, quando Arnold Mühren avançou pela esquerda e cruzou para Marco
van Basten. O atacante holandês recebeu a bola no lado oposto do campo, próximo
a linha de fundo, com ângulo quase inexistente. Mas van Basten tirou um coelho
da cartola: acertou um raro chute de pé direito, fazendo com que a bola tomasse
várias direções diferentes, matando Dasayev. Uma obra prima, digna de um
monstro como van Basten, que mesmo sendo letal com a bola nos pés, tinha uma
elegância com a pelota poucas vezes vista neste planeta. E pensar que o
atacante Rossonero só participou da Euro por causa de Cruyff, que o
convenceu a disputar o torneio, mesmo tendo perdido praticamente toda a
temporada devido as lesões.
Ajax e PSV formavam a base desse poderoso selecionado holandês. |
Depois deste gol, não havia
jeito dos soviéticos tirarem o título da Holanda! Foi o primeiro e único título
holandês em uma
Eurocopa.
Era esperado que após o
esperado título, a Laranja Mecânica finalmente engrenasse nos
torneios que viriam à seguir. Mas nada feito. Na Copa de 1990, a Holanda novamente
parava diante dos alemães e na Eurocopa de 1992, a Dinamarca brecava
os holandeses na semifinal. Foi o último torneio de van Basten, Gullit e
Rijkaard, além de Rinus Michels com a Seleção Holandesa. Era o fim daquela
geração que tinha tudo pra ser vitoriosa, mas que acabou com apenas um título.
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